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Ucrânia, tragédia anunciada

Quem imaginar que estamos a um passo do final da guerra Rússia-Ucrânia pode estar redondamente enganado. Comecemos pelo final de semana de 9 de abril, com duas notícias importantes: a visita de Boris Johnson a Kiev, dois dias depois, e a nomeação do general russo Alexander Dvornikov como comandante de operações de solo na Ucrânia. Ele ficou conhecido por sua ação contra civis na Síria. Assumo que o final das hostilidades está longe.


Antes, por vetos da França e da Alemanha, a Ucrânia não pôde se filiar à OTAN. E delongaram o seu ingresso na União Europeia com receio de provocarem a Rússia. Agora, despertados pelos arrasadores relatos da guerra, os europeus acordam para o perigo à sua porta, perigo que pouco tem a ver com questões ideológicas como na década de 1940, mas simplesmente de reconstrução imperial por meio da força, renegando acordos como o Bush-Gorbachev, que pôs fim à União Soviética de modo pacífico, bem como a subsequente criação da federação russa, liderada por Yeltsin.


Ouço e leio depoimentos de líderes que assistiram ou participaram da nova ordem mundial, em especial na Europa. Não foi a expansão pacífica da OTAN quem criou o impasse Rússia-Ucrânia. A exemplo da Geórgia e da mesma Ucrânia (com a questão da Crimeia), o motivo principal tem sido o da recriação de um império russo, e acima de

tudo, a busca de portos em águas quentes e a estruturação de um domínio russo integrado à Europa.


Kiev nasceu antes de Moscou e, mesmo sob o manto da União Soviética, manteve-se sempre como importante país, indo além ao ter como secretário geral da União Soviética, o ucraniano Nikita Kruchev. Assim, não é um país sem história ou tradição: sempre foi o celeiro da antiga URSS. Pagou seu preço com a tragédia de Chernobyl, e agora paga mais uma conta por ser o virtual centro geográfico e político do novo império russo. Dizer que a destruição de cidades e mortes civis foram consequências da expansão da OTAN negociada na ocasião da queda do muro de Berlim, e do derretimento da URSS, descrito no livro A Transformed World, é fugir da realidade. A real política por trás destes movimentos é a de simples realocação territorial e política de uma nação em busca da influência perdida.


Faz bem o Brasil em alinhar-se na ONU com os países que rejeitam os ganhos territoriais pela força e sem respeito às fronteiras demarcadas e às nacionalidades arraigadas. Como também faz bem em se abster em votações que decidem o afastamento russo de mais entidades como o G-20. Esta guerra não é nossa, mas os princípios morais nos obrigam a defender populações indefesas, mortes desnecessárias e êxodo de povos.


Termino remetendo de novo aos dois fatos do início de abril. A visita de Johnson, e consequente a mensagem à OTAN: chega de morticínio, não haverá outra Síria com Kiev desarmada. E a nomeação do general Dvornikov, com a missão de vencer a guerra a qualquer custo até 9 de maio. Quem de nós apostaria que, ao invés de estarmos nos

afastando de uma guerra nuclear, estamos, sim, a um mero fio de barba dela.


Mario Garnero é fundador e presidente honorário do Fórum das Américas, fundador e presidente da Associação das Nações Unidas-Brasil e fundador do Grupo Brasilinvest. Anteriormente, foi presidente do CNI (Confederação Nacional da Indústria) e da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e diretor da VW do Brasil e da Monteiro Aranha.


Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.


Artigo publicado na edição 96 da revista Forbes, em abril de 2022.


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